No Princípio criou Deus

No Princípio criou Deus...*

O Zohar

“No princípio criou Deus os céus e a terra" (Gn 1:1).

O Zohar, em um dos seus tratados, denominado Parashat Be-reshit (1:15a-15b)(1), assim interpreta esta passagem bíblica:

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No Princípio...

O Poder Superior do Rei gravou imagens no Alto Esplendor. Do Infinito Superior, uma Centelha de impenetrável compreensão brilhou no Oculto dos Ocultos, formando uma nuvem de vapor sem forma, que emergiu como um anel, nem branco nem preto, nem vermelho nem verde, sem cor alguma. Então, como luz perpassando por um prisma, ela revelou cores radiantes. Do fundo da Centelha jorrou uma corrente, espraiando cores abaixo, oculta no Mistério Oculto do Infinito. Dividiu – e não dividiu – sua aura, que não era perceptível de forma alguma, até que sob o impacto da divisão, surgiu um Ponto Simples, Oculto e Superior. Além deste Ponto nada é conhecido, por isso é chamado Princípio, primeiro Mestre de todos.

Resplendor! O Oculto dos Ocultos fez vibrar sua aura, que tocou e não tocou este Ponto. Então este Princípio se expandiu, construindo para si mesmo um Palácio merecedor de glorioso louvor. Então Ele semeou sementes para dar à luz, e assim beneficiar Mundos. Este é o segredo de “seu tronco será uma semente santa” (Is 6:13).

Resplendor! Semeando sementes para Sua glória, como a semente da fina seda violeta cobrindo a si mesmo, tecendo a si mesmo um Palácio, edificando seu louvor e a tudo beneficiando.

Dentro deste Princípio, o Oculto Desconhecido criou o Palácio. Este Palácio é chamado Elohim, Deus. Este é o segredo de “Em Princípio, criou Deus” (Gn 1:1).

Resplendor! Daqui, todos os Poderes foram criados através da misteriosa expansão deste Ponto de oculto resplendor. Se “criar” está aqui escrito no passado, não admira que está escrito: “Deus criou o homem a sua imagem” (Gn 1:27).

Resplendor! Mistério! Primeiro de tudo, Be-reshit (No Princípio). Nesta palavra estão gravados os Nomes Sagrados Ehyeh (Eu Sou) e Elohim (Deus). A Palavra Reshit (Princípio) começa com a palavra Asher (Quem), um estimado Palácio oculto, e na palavra Asher (Quem) está a palavra Rosh (Cabeça), emergindo da palavra reshit (Princípio). Quando o Ponto e o Palácio se transformaram em Um só, então “No Princípio” passa a ser “Em Sabedoria”. Depois, a cor do Palácio se transforma e passa a se chamar Bayit (Casa), enquanto o Ponto Superior passa a se chamar Rosh (Cabeça), unindo-se um ao outro no mistério da palavra Be-reshit (No Princípio), quando todos eram como Um só em Uma só Totalidade, antes da Casa ser habitada. Uma vez que a Casa foi semeada, formando uma habitação, passou a ser chamada de Elohim (Deus), oculto e velado.

Resplendor! E a Casa expandia, escondida e preservada, enquanto a descendência aguardava dentro Dela, ainda por nascer, revestida pela semente da santidade. Até a Sua concepção, expandindo em habitação, Ela não era chamada Elohim, mas sim Be-reshit. Quando se revestiu com o nome Elohim, Ela gerou descendência daquela semente semeada nela.

E o que é esta semente? São aquelas letras gravadas, Mistérios da Torah, emergindo daquele Ponto Superior. Dentro daquele Palácio, o Ponto semeou a semente das vogais, juntando-se e unindo-se às letras, tornando-se um mistério único: uma voz emergindo em uníssono. Assim que emergiu, sua consorte emergiu com ela, compreendendo todas as letras, como está escrito: “os céus” (Gn 1:1), ou seja, a Voz e a Consorte. Esta voz é o “Eu Sou”.

Resplendor! Be-reshit bara Elohim et ha-shamayim ve-et ha-arets (No Princípio criou Deus os céus e a terra).

1) “No Princípio criou Deus”: três degraus, correspondendo ao Mistério Superior. “No Princípio”, Mistério Primordial (Hochmah); “criou”, Mistério Oculto, de onde tudo se expande (Keter); “Deus”, Mistério que sustenta tudo abaixo (Binah).

2) “Os céus”: Hochmah e Binah unidos nas alturas (Tipheret); Yahvé no Alto; começo e fim de tudo; Eu e Tu; segredo da palavra Adonai (Senhor; Domínio).

3) “E a terra”: Hochmah e Binah nos planos mais baixos da existência (Malkut); Yahvé na terra; e Tudo continua sendo Um, assim como é em cima é embaixo; segredo da palavra Elohim (Deus).

Este nome “Deus” inclui três aspectos, e destes três ramifica para inúmeros outros.

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Comentário:

Entender esta citação do Zohar sem as devidas chaves interpretativas e o conhecimento do hebraico bíblico é deveras impossível. Não afirmamos que os possuímos, mas nos esforçaremos para que conhecimentos arcanos alcancem um maior número de sinceros buscadores. A Cabalá é uma Ciência que muitas vezes se revela através do segredo da palavra, e muitos mistérios vêm à tona analisando letras, sílabas e sons de determinados termos em seu idioma original.

Quanto às chaves interpretativas, podemos dizer que boa parte delas pode ser encontrada na Árvore da Vida (Árvore Sefirótica), esquema gráfico que facilita a visualização e compreensão de certos conceitos. Neste fragmento do Zohar, por exemplo, as expressões “Alto Esplendor” e “Oculto dos Ocultos” se referem à Keter; “Ponto” e “Princípio”, à Hochmah; e “Palácio”, à Binah, todos do Mundo da Emanação, ou seja, antes mesmo da Criação dos seres e do Universo.

Esta passagem bíblica narra o começo de tudo, como Deus manifestou sua Luz na Criação, isto é, o surgimento da Primeira Trindade e a emanação de Sua Natureza. É, na verdade, uma introdução ao terceiro versículo do Gênesis (“E Deus disse: Haja Luz!”), uma análise de como esta Luz se fez.

Revela que o Poder Superior fez sua própria Essência Divina fragmentar-se a si mesma, mas não totalmente, fazendo surgir então um Ponto de Luz, princípio de tudo (pois a mente humana não consegue compreender nada além). Este Ponto é Hochmah, que se expandiu tal qual uma luz que se refrata após transpassar um prisma, formando para si um Palácio, um “Campo Santo de Luz”, o Reino de Deus, glorioso Elohim, Espírito Santo e atmosfera universal que envolve e dá vida a toda Criação.

Dentro desta expressão “No Princípio” (Be-Reshit) estão grafadas enigmaticamente as palavras “Eu Sou”, “Deus”, “Quem”, “Cabeça” e “Casa”. Este joguete de palavras revela o segredo do termo “No Princípio”, pois todas estas palavras são nomes ou aspectos de Deus neste mundo Imanente, e que o buscador sincero pode perceber e sentir.

Esta palavra “Princípio” não significa apenas “começo”, mas também “Sabedoria”, e por isso podemos interpretar assim esta passagem: “Em Sabedoria, criou Deus”; pois tudo vem da Consciência Divina, da Sua Sabedoria.

Quando o Ponto de Luz se expandiu, tornou-se cognoscível, formando seu Reino em volta de Si mesmo, em volta de Um só Comando e Um só Domínio. É a “Casa” e o “Cabeça da Casa”; Binah e Hochmah, respectivamente.

E assim emanou a Natureza de Deus, pela União de Hochmah e Binah, em uníssono, constituindo o Verbo Criador: a Voz e sua Esposa, os Princípios Masculino e Feminino da Natureza, o “Eu Sou” e Sua Essência. Em outras palavras, o Som Primordial e a Alma Universal, pois o “Som” emanado do Verbo fez o “Ar” à sua volta vibrar, Sua Alma (ou Aura) vibrou e veio à existência. Esse “Ar” em movimento é o Espírito Santo (Elohim), pois “espírito”, em todos os idiomas bíblicos, significa “ar”, alento”, “sopro”.

E o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas (...) E a Luz se fez! (Gn 1:2-3).

[Kadameh]

Notas:

* Texto traduzido da versão em inglês de Daniel Matt.

(2) O Livro do Zohar é uma compilação de diversos tratados místicos de Cabalá, que explora a interpretação esotérica da Torah, buscando compreender os aspectos profundos e ocultos da Criação e da relação entre Deus, o mundo e os homens. Um destes tratados é o “Parashat Be-reshit”, um comentário cabalístico aos primeiros capítulos do Gênesis. Nesta parte do Zohar, são discutidos temas como a origem da Luz Primordial, os níveis da alma e as profundas dimensões cósmicas da existência. A narrativa bíblica é abordada em suas camadas mais ocultas, revelando mistérios ao buscador sincero, até então encobertos pela letra das escrituras.