A Cabala dos Hebreus
A Cabala dos Hebreus*
Cavaleiro Drach, 1864
O termo Cabala, que em hebraico significa tradição recebida, indica pelo seu próprio nome que esta ciência é vista pelos rabinos como um ensinamento tradicional. Consiste, segundo os doutores, em tradições que remontam aos tempos mais remotos; quanto à sua essência, remonta a Moisés ou mesmo à Adão. O legislador do povo hebreu, dizem eles, recebeu de Deus não só a lei escrita, mas também a lei oral, isto é, sua interpretação, tanto legal ou talmúdica, como mística ou cabalística.
Toda tradição que leva o selo de verdadeira religião, a qual, como tão bem diz santo Agostinho, remonta ao berço do gênero humano, é, sem dúvida alguma, autêntica. Certamente, não são invenções dos rabinos as tradições que representam a Divindade sob a figura de Três Esplendores Supremos, distintos e mesmo assim unidos inseparavelmente na única essência da Unidade Absoluta; as que estabelecem que o Redentor de Israel deveria ser ao mesmo tempo Verdadeiro Deus e Verdadeiro Homem; as que ensinam que o Messias se ofereceria para tomar a si a expiação de todos os pecados dos homens(1); aquela que nos ensina que Siló(2), prometido pelo patriarca Jacó, é realmente o Messias(3).; e, finalmente, as que pregam que o pobre montado num asno, predito pelo profeta Zacarias (9:9) e citado em Mateus (21:4-5), é verdadeiramente o Messias filho de David(4). Tudo isso os doutores da Sinagoga moderna negam obstinadamente.
Quem ensinou a Cabala com brilhantismo, e formou um grande número de discípulos eméritos, foi o insigne Simeon-ben-Yohhai, rabino do começo do segundo século de nossa era, que ensinava, como ele próprio dizia, a tradição e a doutrina dos mestres mais antigos, como o profeta Elias, Moisés (chamado no Zohar O Pastor Fiel) e o anjo Metatron. Seus discípulos e os discípulos desses mestres trataram de escrever suas lições e formar um só volume que recebeu o nome de Zohar, isto é, claridade.
O texto do Zohar, tal como agora o possuímos, encerra diversos tratados que foram inseridos, sucessivamente, em diferentes épocas. Entre os tratados distingue-se "O Livre Ilustre" (Sepher ha Bahir), "Os Complementos do Zohar", "O Novo Zohar", o Zohar do Cântico dos Cânticos, o de Ruth, o das Lamentações.
Entre os livros cabalísticos, é preciso não esquecer também "O Livro da Criação" (Sepher Yetzirah), e diversos livros antigos, dos quais uma parte não se acha mais, ou está escondida entre os manuscritos de algumas bibliotecas. O comentário cabalístico do Pentateuco, no primeiro tratado do Zohar, dá os extratos de muitos desses livros atualmente perdidos. Coloca-se ainda na relação dos principais livros cabalísticos "O Livro Raziel", que é antes um tratado de teurgia.
Exporei o que é realmente a Cabala judaica e submeterei sem medo minhas provas à apreciação de todo homem de boa-fé e bom juízo. Ver-se-á que, segundo a doutrina fundamental da Cabala, o Universo é uma criação feita do Nada, no infinito Poder de Deus.
Com efeito, toda Ciência deve ter uma finalidade prática. Ora, qual é a da Cabala? O Zohar, principal código da Cabala, 2ª parte, col. 362, e depois dele todos os cabalistas, respondem que sua finalidade é a de ensinar como se devem dirigir os pedidos ao se orar a Deus; a que esplendor e a que atributo de Deus se deve recorrer em qualquer necessidade; quais os anjos que se podem invocar para obter sua interferência em certas circunstâncias; por quais meios se precaver contra a maldade dos espíritos malfazejos, de que o ar está cheio.
A Cabala distingue tudo o que existe em quatro mundos, subordinados um ao outro. O Mundo da Emanação (Atziluth), da Criação (Briah), da Formação (Yetzirah) e da Ação (Asiah). Apenas o Primeiro Mundo é incriado, ou seja, sempre existiu, uma emanação da própria Essência de Deus. O Segundo Mundo é uma criação a partir desta Essência, a partir do qual formam-se os demais.
O Mundo da Emanação compreende dez Sephirot, isto é, Esplendores. A primeira é a Coroa Suprema, também chamada de Infinito (Keter do Mundo da Emanação). Dela emana o Segundo Esplendor chamado Sabedoria (Hochmah do Mundo da Emanação). Ela é o Adão Primitivo, assim chamado para se distinguir do primeiro homem. É necessário assinalar que São Paulo denomina o "Esplendor Encarnado" (Jesus) de "o novo Adão" (1 Cor 15:45). Deste Segundo Esplendor, com a participação da Coroa Suprema, emana o Terceiro Esplendor, denominado Inteligência.
Ensinam os cabalistas que estes são os Três Esplendores Supremos, as únicas Sephirot denominadas Esplendores Intelectuais. Embora distintas, elas são Uma Coroa Única; são Um, o Um Absoluto. Eis porque são representadas por três círculos concêntricos, e se representa o Deus Santo, Santo, Santo por três pontos dispostos em um triângulo equilátero e encerrados em um círculo.
É preciso ser muito cego para não perceber, ou muito obstinado para não reconhecer, que esses três esplendores são a santa e indivisível Trindade das Pessoas na Essência Divina, Una na Unidade mais Absoluta.
Os sete outros Esplendores, emanados do todo que os precede, são: a Grandeza, ou Bondade; a Força, ou Rigor, ou ainda a Justiça Reta; a Beleza; a Vitória, ou Eternidade; a Glória; o Fundamento; e a Realeza.
Estes sete Esplendores formam uma classe à parte denominada Daat (Conhecimento), que representa a maneira de ser dos atributos de Deus em Sua Essência.
Os três primeiros Esplendores, é Deus manifesto em Três Seres; os outros sete Esplendores, assim como afirmam expressamente os cabalistas, são os atributos de Deus, ou, mais precisamente, Deus em seus atributos. Com efeito, compreendem todas as perfeições divinas. Os Esplendores são, igualmente, emanações, pois os atributos divinos são inseparáveis da Divindade, e constituem uma Unidade Perfeita entre si e em Deus.
Os Dez Esplendores, em hebraico Sephirot, não são mais do que o conjunto de Um Ser Supremo, e isto pode ser facilmente sentido pela forma como os antigos cabalistas a eles se referem: atribuindo um nome Divino a cada um deles. São eles, respectivamente: 1) Eheieh; 2) Ya; 3) Yahve Elohim; 4) El; 5)Elohim Gibor; 6) Yahve; 7) Yahve Tzabaot; 8) Elohim Tzabaot; 9) El Shadai; 10) Adonai Ha-Aretz.
Cada um destes nomes de Deus vibra em uníssono com a vibração do seu atributo correspondente, cuja ressonância faz também vibrar quem o entoa com a verdadeira força interior.






… continua na próxima edição.
Notas:
* Texto editado do original traduzido pela SCA.
(1) “O Messias apresenta-se, e brada: ‘Que todos os sofrimentos e todas as doenças (espirituais) de Israel venham sobre mim!’ Então tudo lançou-se sobre ele. E se ele não tivesse expiado Israel, tomando tudo sobre si, não haveria homem capaz de suportar todas as penas que Israel merecia por ter transgredido a lei santa. É o que diz o profeta [Is 53:4]: Ele, verdadeiramente, carregou nossos males, tomou nossas dores” [Zohar, 2ª Parte, coluna 379].
(2) “O nome Schilo, tal como está escrito aqui, שילה [Gn 49:10], indica que o nome santo supremo da Divindade estará nele. Tal é o mistério aqui anunciado” [Zohar, 1ª parte, col. 504]..
(3) Pela raiz hebraica da palavra Schilo, acreditamos que Jacó estava se referindo ao Rei Salomão, verdadeiro iluminado e misticamente considerado também um Messias, um Ungido. [NE]
(4) Zohar, 1ª parte, col. 504, e 2ª parte, col. 171; e o Talmude, Tratado Sanhedrim, f. 98.