Salomão, na Tradição Oral de Israel
Salomão, na Tradição Oral de Israel
Ben Ramá
No cerne das sagradas escrituras, o nascimento do herdeiro predestinado ao trono de Israel é anunciado. À medida que a história se desenrola, a mística e a sabedoria de Salomão se destacam na tradição oral. Sua habilidade única de compreender a linguagem da natureza, sua destreza em diversas áreas do conhecimento humano e seu notável senso de justiça ecoam através das eras, lembrando-nos da profundidade da sabedoria que pode residir nos corações humanos. A construção do Templo, cercada de mistérios e fenômenos inexplicáveis, permanece como um farol de conhecimento místico religioso. A história de Salomão, o sábio rei de Israel, é uma jornada espiritual em busca da sabedoria e da união com Deus, uma fonte inesgotável de inspiração para todos os que buscam a Sabedoria Divina.
Nascimento e Ascensão ao Trono
Conforme registrado no livro de Crônicas (1Cr 22:9-10), David recebeu de Yahvé a revelação de que teria um filho destinado a se tornar o futuro rei de Israel, e que se chamaria Salomão. A mensagem divina afirmava ainda que Salomão não seria apenas seu filho biológico, mas Filho de Deus, o que tem uma implicação esotérica muito relevante, pois concede implicitamente um título místico que demonstra sua real natureza e missão. Um nome dado por Deus antes mesmo do nascimento é um acontecimento raríssimo nas Escrituras, e esses eventos evidenciam que David estava consciente da natureza excepcional de seu filho.
Esta certeza sustentou sua ascensão ao trono, mas não sem contendas. Adonias, seu irmão mais velho e então herdeiro aparente, aproveitou a debilidade de seu pai, reuniu líderes e convocou a população para uma grandiosa coroação. De acordo com os sábios de Israel, ele chegou até mesmo a colocar a coroa na cabeça, mas ela não se ajustou. Em sua parte interna, havia uma tira de metal que se encaixava perfeitamente numa reentrância que David tinha no crânio. Adonias não sabia deste fato, e quando tentou assentá-la, ela caiu. Insistiu por diversas vezes, mas sem sucesso. Diante de uma assembleia atônita, incluindo sacerdotes e escribas, a coroa se recusou a reconhecer outro senhor além de Salomão, pois ela só se ajustaria com perfeição à cabeça do legítimo herdeiro. Esse enigma misterioso perdura até os dias de hoje nas crônicas de Israel.
Devoção e Sabedoria
A história mística e cativante deste grande Iniciado revela quão notável foi sua jornada, desde a sua unção como rei, com apenas doze anos de idade, até se tornar uma figura lendária e um verdadeiro Mestre da Sabedoria Divina. Salomão iniciou seu reinado com um ato de veneração à Deus, queimando incenso em oferendas de elevação no antigo altar de Guivon. Nesta mesma noite, teve um sonho extraordinário: os céus se abriram e ele sentiu a presença de Deus em si mesmo. De acordo com o Midrash, Deus então lhe falou: "teu nome é como o Meu nome, por isso te dou minha filha, a Sabedoria Divina”.
Na manhã seguinte, ele acordou com um dom incomum: a capacidade de compreender a linguagem dos pássaros, das árvores, dos animais e de todas as criaturas da terra. Essa habilidade única permitiu a ele explorar a natureza íntima de cada ser vivo, desvendando seus segredos, propriedades e características. Ele não apenas conhecia a utilidade de cada erva, minério e animal, mas também sabia a maneira precisa de preparar medicamentos, suas prescrições e o momento astrológico mais adequado para administrá-los. Encontrou a cura até mesmo para doenças de pele que eram muito comuns na época, fabricando uma poção cujo princípio ativo provinha de um pequeno organismo.
A destreza de Salomão se estendia muito além. Ele sabia a utilidade de cada estrela, dominava os animais e tudo o que se movia sob a terra, sobre a terra e nos céus. Seu domínio se estendia dos ventos às criaturas aladas. E mais além, pois tinha um profundo conhecimento do lado oculto da natureza. É dito que ele escolheu pessoalmente cada um dos cedros do Líbano para ser cortado e utilizado na construção do Templo, dessa forma assegurando que nenhum deles tivesse crescido sobre sepulturas antigas, demonstrando, também, respeito pela preservação da memória daqueles que partiram.
A alimentação de Salomão era guiada por princípios éticos. Ele tinha o discernimento para identificar se determinado boi já havia puxado um arado ou servido ao dono de alguma maneira, e proibia o seu abate, demonstrando sua consideração pelas criaturas que trabalhavam na agricultura. Da mesma forma, ele reconhecia quando um peixe, ainda vivo, carregava ovas, determinando que fosse devolvido ao seu habitat natural, poupando-o.
Fama, Desafios e Enigmas
A fama da sabedoria de Salomão se espalhou como fogo por todo o mundo antigo, atraindo mercadores, estudantes, sábios e governantes de todos os cantos da terra. Os enigmas propostos pela Rainha de Sabá ficaram imortalizados. O que muitos não sabem é que ela era uma feiticeira e seu verdadeiro intuito era o de desmoralizá-lo.
Ela colocou vários homens e mulheres da mesma estatura e trajes diante dele e pediu para distingui-los. Imediatamente ele fez um sinal para que trouxessem uma quantidade de nozes e espigas de milho torradas. Os homens, que não eram tímidos, agarraram-nos com as próprias mãos; as mulheres os pegaram com as mãos debaixo da roupa. Ela trouxe-lhe vários homens, alguns circuncidados e outros incircuncisos, e pediu-lhe que os distinguisse. Ele imediatamente fez um sinal ao sumo sacerdote, que abriu a Arca da Aliança, após o que aqueles que foram circuncidados curvaram seus corpos até a metade de sua altura. Ela perguntou: “Existe um recinto com dez portas, quando uma está aberta, nove estão fechadas; quando nove estão abertas, uma está fechada?” Ele respondeu: “Esse recinto é o útero; as dez portas são os dez orifícios do homem – seus olhos, ouvidos, narinas, boca, as aberturas para a descarga dos excrementos e da urina, e o umbigo; quando a criança está no estado embrionário, o umbigo está aberto e os outros orifícios estão fechados, mas quando sai do útero, o umbigo está fechado e os outros estão abertos".
Essas demonstrações de sabedoria e habilidade, e muitas outras, impressionaram profundamente a rainha, que iniciou uma aliança com o rei. No entanto, muito diferentemente do que dizem os maldosos, o interesse de Salomão não era amoroso ou qualquer coisa do tipo, mas única e exclusivamente levar ciência aos mais necessitados.
Amor à Justiça
As terras de Israel testemunharam não apenas a grande capacidade administrativa do rei Salomão, sua habilidade na política interna e externa, seu dom de gerar riqueza para a nação e seu incomensurável conhecimento, mas também sua extraordinária sabedoria na aplicação da justiça. Os arquivos da história consolidaram a reputação de Salomão como um rei sábio e justo.
Durante a vida de Davi, quando Salomão ainda era um rapaz, ele resolveu um caso difícil de maneira brilhante. Um homem rico tinha enviado o seu filho numa prolongada viagem de negócios a África. Ao retornar, descobriu que seu pai havia morrido nesse meio tempo e que seus tesouros haviam passado para a posse de um escravo astuto, que conseguira livrar-se de todos os outros escravos ou intimidá-los. Em vão o herdeiro legítimo insistiu com sua reivindicação perante o Rei Davi. Como não pôde trazer testemunhas para depor em seu favor, não conseguiu desmascarar o escravo, que também se autodenominava filho do falecido. O menino Salomão ouviu o caso e mandou exumar o cadáver do pai e tingiu um dos ossos com o sangue, primeiro de um dos pretendentes e depois do outro. O sangue do escravo não apresentava afinidade com o osso, enquanto o sangue do verdadeiro herdeiro o permeava.
Já como rei, Salomão julgou um caso que envolvia três sócios comerciantes. Durante uma viagem de negócios, hospedaram-se em uma estalagem, e ao amanhecer, uma bolsa de moedas desapareceu. Todos negaram envolvimento no suposto roubo. Empregando sua sagacidade e empatia, o sábio rei contou uma história. Disse que dois jovenzinhos haviam feito um juramento: quando um deles resolvesse se casar, deveria obter a autorização do outro. Passados muitos anos, a moça ficou noiva e viajou longas distâncias para encontrar o velho amigo e pedir sua permissão, levando consigo muita prata e ouro. Ele foi muito cortês, disse que não poderia aceitar aqueles presentes e que ela estava livre para se casar com quem seu coração mandasse. Ao retornar, a jovem foi assaltada e os ladrões ainda queriam possuí-la à força. Mas um deles se comoveu com sua história, devolveu os valiosos bens e disse que ela poderia voltar para casa em paz. Salomão então perguntou aos sócios qual dos três havia agido de forma mais nobre: a jovem, o rapaz ou o ladrão. Um afirmou que foi a jovem que viajou para honrar seu juramento; o outro acreditou ser o amigo que recusou os presentes e permitiu que ela fosse feliz; enquanto o terceiro achou que foi o ladrão que devolveu os metais preciosos. Salomão demonstrou, então, que o terceiro sócio era o culpado pelo roubo, pois o ladrão estava apenas deixando de cometer um crime repugnante e devolvendo algo que não lhe pertencia.
Mistérios do Templo
A construção do Templo foi um marco que transcendeu o tempo. A tradição oral perpetua alguns segredos por trás dessa edificação e as maravilhas que a envolveram.
Salomão iniciou as obras no quarto ano de seu reinado, pois não queria utilizar os despojos de guerra acumulados por seu pai. Dedicou, então, quatro anos para capitalizar os recursos necessários por seus próprios meios.
A edificação durou sete anos e, surpreendentemente, transcorreu sem contratempos. Com dezenas de milhares de trabalhadores dedicados, não houve mortes, doenças ou epidemias que perturbassem o progresso, nem problemas com ferramentas ou maquinários.
Durante e após a construção, foram testemunhados fatos inexplicáveis que desafiam a lógica e a compreensão humanas. Pedras maciças, algumas com várias toneladas, vinham de pedreiras distantes, e até hoje não se sabe como foram transportadas e assentadas com perfeição. Árvores banhadas a ouro, que decoravam o pátio do templo, deram frutos quando das celebrações de inauguração e consagração. No altar de sacrifícios, o fogo permanecia aceso ininterruptamente, mesmo sob a chuva ou o vento. A coluna de fumaça subia inalterada e o aroma de carne não perturbava nem mesmo as mulheres grávidas. Esses fenômenos permanecem como testemunhos de um poder divino insondável.
Salomão enfrentou um desafio peculiar: ele não poderia cortar pedras do santuário e do altar com ferramentas de ferro, que era associado à fabricação de armas. Empregando sua ciência da natureza, descobriu o verme shamir, capaz de cortar até mesmo ferro. A tradição oral afirma que um gênio revelou a Salomão que apenas uma galinha d’água que vivia no alto de certas montanhas o conhecia. O rei mandou os soldados cobrirem o ninho do animal com uma redoma de vidro, de maneira que ele teve de usar o shamir.
Surpreendentemente, o Templo foi projetado prevendo sua futura destruição. Foi construída uma complexa rede de túneis sob a edificação, destinada a servir como rotas de fuga e esconderijos para objetos sagrados e valiosos. Isso lança luz sobre o mistério envolvendo a Arca da Aliança, que, até hoje, permanece oculta.
Os antigos sábios afirmavam ainda que, concluída a obra, um aroma peculiar e agradável envolveu toda Israel – dizem que até todo o planeta – qual bênção divina permeando a atmosfera, lembrando a todos da grandiosidade e da transcendência do Grande Templo.
Conclusão e Tributo
A vida de Salomão, desde a revelação de seu nome até sua ascensão como rei sábio e pacífico, é um legado que ecoa através das eras. Seus julgamentos justos e discernimento, suas habilidades que transcendem a compreensão humana e a miraculosa construção do Templo, são enigmas que nos convidam a pensar como um ser tão especial poderia ter desagradado tanto a Deus, como alguns fazem crer.
O que muitos não sabem, no entanto, porque ainda hoje somente foi passado de boca a ouvido, é que Salomão teve uma vida íntegra e correta até seus últimos dias, e que após o exílio babilônico os novos monarcas, numa tentativa covarde de legitimar seus planos de poder, deturparam a imagem deste nobre e santo rei. As Escrituras dedicam vinte capítulos à sua história (onze em Reis e nove em Crônicas), sendo que apenas um destoa dos demais, relatando acontecimentos que desabonam sua conduta (1Reis 11). Por outro lado, também é dito que nunca houve nem haverá uma pessoa com o coração tão sábio como o dele (1Reis 3:12). Ambas as passagens bíblicas não podem coexistir, e aqueles que creem nas Escrituras precisam fazer uma escolha: ou Deus se enganou porque Salomão não era tão sábio assim, ou realmente nunca haverá um como ele e o capítulo 11 de Reis foi acrescentado ou adulterado. O próprio Jesus disse que era maior que Salomão, mas Jesus não era humano, e sim Divino, e mesmo assim enalteceu o nome e a glória do grande rei no Sermão do Monte. Como Jesus poderia glorificar e enobrecer, no cerne de seu evangelho, um ser tão idólatra e sedutor?
E assim, celebremos a magnificência desse lendário rei, tão injustiçado pela história. Mas justiça seja feita ao Rei da Justiça! Tempos virão em que sua vida e imagem serão honradas. Seu tempo de glória jamais passará. Seu legado é eterno.