Ode à Segunda Vinda

out/24

CRISTIANISMO MÍSTICO

Ode à Segunda Vinda*

Eliphas Levi

"Eu não os deixarei órfãos", disse o Cristo, quando estava prestes a deixar a Terra; "Eu venho novamente por vocês".

Oh! Povo que acreditou nas palavras do Cristo e que ainda espera um consolador, saibam que o Cristo, seu Salvador, nunca os abandonou. Saibam que Ele sofre com vocês, que Ele trabalha com vocês, que Ele geme e ora com vocês.

O Cristo é a forma humana da Ideia Divina. Uma forma que todos vocês são chamados a realizar e a se revestir novamente com sua majestade real.

Um modelo nos foi dado na pessoa de Jesus, nosso irmão, líder e mediador da humanidade, em quem o próprio Deus viveu, manifestou sua vontade e agiu, de modo que sua pessoa era a do Homem-Deus.

No entanto, Jesus, o Homem-Deus, não viveu todas as fases da vida; ele passou apenas pelos períodos de sofrimento aqui embaixo.

Porque era necessário que a humanidade primeiro aprendesse a sofrer, para depois saber como ser feliz; aprendesse a obedecer, para depois aprender a reinar. Foi à pobreza santa e austera que foi confiada a educação dos herdeiros de Deus, para que, através das privações, eles aprendessem o verdadeiro uso das riquezas de seu Pai.

Ao ensinar os homens a amar o próximo mais do que a si mesmos, e a sua alma mais do que o corpo, e a Deus mais do que a alma, o Cristo os emancipou da servidão da carne, e elevou a carne em si, ao chamá-la para compartilhar a glória das almas livres.

O Cristo não limitou sua Palavra a uma forma exclusiva; o espírito, do qual ela contém o germe, é universal.

Ele semeou a semente, e o tempo amadureceu o grão.

A Palavra do Cristo, assim como a dos antigos profetas, teve intérpretes desinteligentes e interesseiros, que desejaram selá-la como a pedra de seu sepulcro.

Mas a Palavra atravessa pedras, e não pode ser mantida cativa; ela escapa apesar dos muros; ela passa apesar dos portões de ferro; ela avança apesar dos sentinelas.

Irmãos, a Palavra do Cristo é a palavra de liberdade, de igualdade, de fraternidade.

De liberdade, porque Ele nos disse para não temer aqueles que podem matar o corpo, e para preservar diante de Deus a independência de nossas almas.

De igualdade, porque Ele nos disse: todos vocês têm Um Único e mesmo Pai, Um Único e mesmo Mestre: Ele é Deus, e vocês são todos irmãos!

De fraternidade, porque Ele disse aos fortes para serem protetores dos fracos, aos instruídos para instruírem os ignorantes, e aos ricos para proverem as necessidades dos pobres.

Essa Palavra presidiu inicialmente a construção do corpo hierárquico da igreja primitiva; então os sacerdotes eram pais escolhidos pelo povo; os bispos eram superintendentes, que cuidavam dos pobres e protegiam os órfãos e as viúvas; e todos, num espírito de conciliação e paz, submetiam suas diferenças a um único juiz escolhido entre eles, e que, por isso, era chamado o servo dos servos de Deus.

Oh! Quão bela era a Igreja naquela época, na unidade de seu líder e na harmonia de seus membros! Quão grandiosa era aquela sociedade de irmãos, presidida por seus pais, e administrada por seus anciãos!

A unidade de propósito e a simplicidade dos meios encontravam utilidade na cooperação de cada um pela obra de todos; cada grupo de fieis movia-se harmoniosamente ao redor de seu centro, como os satélites ao redor de seus planetas, que, por sua vez, movem-se pacificamente ao redor de seu sol.

Pois então o interesse dos pastores era o de suas ovelhas, e o demônio da avareza, que destruiu Judas, ainda não havia trazido problemas para o santuário; o orgulho ainda não havia transformado os deveres da caridade em prerrogativas e grandezas mundanas, e as paixões rivais ainda não haviam dividido a herança do Senhor.

Mas, para que pudesse ser vencido pelo bem, o mal teve que se manifestar; e a lei cristã foi como uma armadilha estendida para os erros e irregularidades da carne.

Os vícios humanos, ao se manifestarem na Igreja de Cristo, condenaram a si mesmos; portanto, não puderam prevalecer ali nem por alguns momentos, exceto por meio da hipocrisia e da mentira.

Quando pontífices desencaminhados ultrapassaram o luxo e a insolência dos reis, o espírito da Igreja, que nunca deixou de ser o de Cristo, gemeu no coração dos santos e condenou os usurpadores sacrílegos, sempre lembrando ao soberano pontífice que ele era o servo dos servos de Deus.

Quando a Inquisição torturou almas e corpos, para constranger aquilo que o próprio Deus respeita no homem — a liberdade de consciência —, o espírito de Cristo chorou sobre as vítimas e excomungou justamente os perseguidores, protestando que a Igreja tem horror ao sangue.

Assim, por seus próprios crimes, os sacerdotes mostraram mais magnificamente e mais esplendidamente quão santa é a religião!

Agora a Igreja parece dormir um sono de morte, porque os sacerdotes se separaram do povo e formam uma casta à parte, imbuída de tradições farisaicas e dos preconceitos da educação; mas a Igreja não pode ser separada da humanidade. Se os sacerdotes permanecem estacionários enquanto a humanidade avança, é porque desejam em breve se separar da religião de Cristo, pois o espírito do Salvador do povo avança com o povo.

Esses homens envelheceram, sem conseguir libertar seus pés das fraldas de pano de sua mais tenra infância! Eles acreditam no Evangelho, sem interrogar seu admirável simbolismo, e admitem suas maravilhas literalmente, como crianças pequenas dão fé às histórias fantásticas da mulher que as embala.

Eles são os guardiões da doutrina à maneira dos sentinelas dos palácios dos reis; defendem a entrada e nunca entram eles mesmos. A letra morta permaneceu em suas mãos assim como o corpo mortal de Cristo repousou nos braços de sua mãe chorosa, sob o céu sombrio e carregado do Calvário; mas seu Espírito foi fazer guerra contra os poderes das trevas, para quebrar os portões do inferno e libertar a padecente multidão de almas cativas.

Em todos os lugares, o espírito do Evangelho faz conquistas, exceto nas mentes fechadas e nos corações congelados daqueles que se autodenominam depositários do Evangelho.

As ciências gravitam em direção à sua grande síntese; a unidade governa todas as ideias, e a harmonia as organiza em uma ordem maravilhosa; a analogia dá à fé, iluminada pela ciência, a chave de todos os problemas; a síntese reúne todos os símbolos e proclama a unidade religiosa pela voz de todas as eras; a ideia verdadeiramente Católica (= Universal) começa apenas a nascer, e esses homens velhos estão lá, tapando os ouvidos, fechando os olhos, tornando-se imóveis sobre as ruínas do passado, como urnas sobre tumbas!

O Filho de Deus é o homem perfeito; ele é a ideia de perfeição humana manifestada pela Palavra e realizada por obras.

Deus pronuncia, desde a eternidade, a Palavra que deve salvar o povo; e a humanidade trabalha e avança em progresso, apenas para realizar essa Palavra.

A Ideia Divina de perfeição humana foi realizada em diferentes graus em todos os grandes homens que foram os mestres e modelos da humanidade; então foi completada e resumida em Jesus.

Pois Jesus, tendo se doado inteiramente à humanidade, por uma devoção sem limites, vem transmitindo toda sua vida, sob os símbolos do pão fraternal e do vinho da união, para toda a humanidade, que ele transformou num único corpo. De modo que agora o Cristo não é mais um indivíduo; ele é um povo.

Ele vive em todos aqueles que são animados pelo espírito do Evangelho; ele fala pela boca de todos que pronunciam uma palavra conforme a dele.

Ele prometeu que o reino da inteligência seria seu Reino, e que sua segunda vinda desceria as nuvens do céu, ou seja, libertaria a religião de seus mistérios e fábulas.

Ele brilhará como o relâmpago, que brilha do leste ao oeste; e as águias do gênio se reunirão para responder ao seu chamado.

* Texto extraído da obra “The Last Incarnation: Gospel Legends of the Nineteenth Century; traduzido pelo editor.