Noite Escura

dez/23

POESIA STICA

Noite Escura da Alma

João da Cruz

Em uma noite escura,

De amor em vivas ânsias inflamada

Oh! ditosa ventura!

Saí sem ser notada,

Já minha casa estando sossegada.


Na escuridão, segura,

Pela secreta escada, disfarçada,

Oh! ditosa ventura!

Na escuridão, velada,

Já minha casa estando sossegada.


Em noite tão ditosa,

E num segredo em que ninguém me via,

Nem eu olhava coisa,

Sem outra luz nem guia

Além da que no coração me ardia.


Essa luz me guiava,

Com mais clareza que a do meio-dia

Aonde me esperava

Quem eu bem conhecia,

Em sítio onde ninguém aparecia.


Oh! noite que me guiaste,

Oh! noite mais amável que a alvorada

Oh! noite que juntaste

Amado com amada,

Amada já no Amado transformada!


Em meu peito florido

Que, inteiro, para Ele só guardava

Quedou-se adormecido,

E eu, terna, O regalava,

E dos cedros o leque O refrescava.


Da ameia a brisa amena,

Quando eu os seus cabelos afagava

Com sua mão serena

Em meu colo soprava,

E meus sentidos todos transportava.


Esquecida, quedei-me,

O rosto reclinado sobre o Amado;

Tudo cessou. Deixei-me,

Largando meu cuidado

Por entre as açucenas olvidado.