Meditação, Alquimia do Coração
Meditação, Alquimia do Coração*
Jean Debuis
Dentro do corpo humano está escondida uma certa substância, nem física nem biológica, conhecida por poucos. Esta essência não precisa de remédio, pois, em si mesma, é o remédio dos remédios. Ela possui uma tríplice natureza: espiritual, física e moral.
Os Alquimistas têm estado tão profundamente devotados ao seu trabalho que não sofreram a desagregação pela qual passaram as almas de seus companheiros humanos. Nossos contemporâneos, em geral, imaginam o Ser Supremo de um lado e a matéria do outro, como se jamais se tocassem. Ao contrário, os Alquimistas veem o Ser Supremo no mundo, e o mundo no Ser Supremo. Eles não foram vítimas da cegueira dos dias atuais e isto garantiu o sucesso de suas operações.
Existe, na Natureza, uma Verdade que não pode ser vista com os olhos da carne. Os filósofos sabiam disto e descobriram que o poder desta Verdade é tal que pode operar milagres. E nós afirmamos que estes milagres podem ser encontrados enquanto se observa uma rosa num jardim, numa amizade, que pode ser percebido com os olhos físicos, e com os olhos do coração também. O misterioso encontro dos Alquimistas – o enigmático casamento do Sol com a Lua – é, na verdade, a união da existência física com a realidade espiritual.
Esta visão alquímica não é o resultado apenas de operações materiais, como aspergir ácido acético em estibnita, nem o resultado de meras alegorias atribuídas às substâncias do Sol e da Lua. Assim como nas operações físicas é primordial a qualidade dos ingredientes, por causa de sua influência nos resultados, também nas operações mentais a qualidade do pensamento determinará o fracasso ou sucesso final. Nesta verdade reside toda a arte de libertar o espírito de suas amarras; por este mesmo caminho, o espírito pode ser libertado do seu corpo.
Esta última frase está diretamente relacionada com o método alquímico de meditação. A palavra “método” talvez não seja a mais adequada, pois parece sugerir um grupo de fórmulas, uma série de ideias preconcebidas, quando na verdade a espontaneidade é a essência da meditação alquímica. Meditação, afinal, é uma maneira de pescar no subconsciente para trazer a verdade à tona. A mente consciente escolhe os assuntos em questão e, assim como o pescador, os joga na água como isca. Mas a isca não procura o peixe. O peixe procura a isca. Este é o maior e mais comum erro de interpretação de todos os metafísicos. Não meditamos, não podemos; somos “meditados”. Em outras palavras, precisamos estar receptivos.
Por analogia, na privacidade de nossos laboratórios, não devemos ser tentados a modificar a posição de nossos frascos, nem a quantidade das substâncias, nem a pensar sobre o que nós estamos tentando alcançar através de nossas manipulações. Não se deve cair na armadilha e dizer: “Eu tenho lido os textos por anos. Eu tenho feito experimentos e eu acredito que eu estou dirigindo o curso desta operação”. Apenas o Ser Supremo dirige os trabalhos, e nenhum de nós pode tocar num filete de Sua Sabedoria a não ser que permaneçamos receptivos.
Por isso, a Alquimia não é apenas uma ciência, mas também uma arte. Não somente a arte de dirigir os experimentos de acordo com nosso entendimento, do professor ou das instruções dos livros, mas a arte da receptividade do coração, a arte de nos permitir purificar pelo trabalho, assim como a matéria é purificada durante a realização da obra. O genuíno experimento alquímico ocorre no encontro e interação entre os dois mundos. Após anos de esforço intelectual, emocional e físico, nós podemos e devemos alcançar a meta. Na verdade, a meta nos alcançará. E isto é apenas possível graças à meditação, através do “deixe acontecer”.
Não alcançaremos a Unidade que tanto procuramos se não formos “Um”, primeiro de tudo. Este “Um” é o ponto essencial de toda concentração e meditação do estudante sincero. Este ponto compreende e rege todos os níveis de nosso ser, e acrescenta a estes níveis uma vigilância anteriormente desconhecida. Entretanto, uma vez alcançada esta vigilância, ele a subtrai. Esta técnica será familiar a leitores e seguidores do Zen, Yoga, Taoismo e muitas outras disciplinas religiosas, mas não foi conscientemente identificada com a Alquimia porque nossa Arte não é bem compreendida. Suas terminologias são ignoradas, e seus métodos, considerados obscuros e complexos.
A palavra ‘meditação’ é empregada quando um homem tem um diálogo interno com um ser invisível, que pode ser o Ser Supremo, se for invocado, um anjo ou consigo mesmo. No trabalho alquímico, por exemplo, meditar não é simplesmente cogitar ou ponderar sobre a obra. Não negamos que seja essencial dominar a teoria antes da prática. No entanto, a meditação vai mais longe e inclui um procedimento mais profundo. Insistimos no fato de que a meditação é um trabalho interno. Escolhendo bem as palavras, podemos afirmar que, na meditação, o ocultista recebe uma profunda revelação do Eu Superior, do Mago cerimonial, do Conhecimento e da Palavra do Anjo Guardião, seja que denominação receba.
Pode parecer algo surpreendente afirmar que o Alquimista começa seu trabalho com uma massa confusa, não uniforme, seja em sua mente ou em seu laboratório. De um caos primordial, ele deve extrair uma ordem benéfica. Se os seus pensamentos não estiverem bem ordenados, então sua substância não poderá ser manipulada de maneira apropriada. Se ambos estiverem em boa ordem, então ele deve reunir coragem e mergulhar fundo em suas fontes interiores a fim de compreender a relação entre sua própria alma e a alma da matéria na qual esteja trabalhando. Ele também deve se precaver, por um lado, contra ataques de ocultistas céticos, que duvidarão de seus métodos de trabalho, e, por outro lado, dos seus colegas cientistas, que pensarão nele como um religioso sentimentalista entre seus frascos e retortas.
Mas o desafio de seu trabalho certamente vai além das velhas críticas. E assim, mesmo hoje em dia, o Alquimista deve ter um espaço reservado, exterior e interior, e apenas o homem e a mulher que nele ingressam com um coração meditativo e em prece podem se beneficiar na realização deste trabalho. Através dos séculos, nenhum escritor foi capaz de dizer que este caminho é fácil. Michael Maier escreveu: “Para aqueles que começam, a aflição reina com vinagre, mas para quem termina, a alegria reina com sorriso”.
Esta coisa que nós procuramos por tão longo tempo não pode ser adquirida, nem realizada, pela força ou pela paixão; somente pela humildade, paciência e um determinado e perfeito amor. Que Deus conceda esta Ciência Divina e imaculada aos Seus fiéis servos, especialmente àqueles que, de acordo com o Seu desejo, assemelham-se à Fonte essencial de todas as coisas. Ninguém pode alcançar a Salvação sem a Força por Deus agraciada, e sem ela, ninguém pode continuar a resgatar sua alma, que é o propósito que Deus nos designou. Portanto, Deus a confia aos cuidados desses Seus servos a quem Ele escolheu para buscar esta Ciência Divina, que permanece oculta aos olhos dos mortais e que Ele reserva para eles. Esta Ciência iluminará o seu caminho para além do sofrimento deste mundo e lhes fornecerá o Conhecimento do Bem que está por vir.
Nota:
* Texto extraído e editado do curso "Espagiria", gratuitamente disponibilizado pelo autor.