Judaísmo Messiânico

Ben Ramá

dez/23

MATÉRIA DE CAPA

Judaísmo Messiânico: Uma Identidade Religiosa Milenar

Ben Ramá

O Judaísmo Messiânico, apesar de simples prática religiosa judaica que reconhece Yeshua (Jesus) como o Messias prometido, revela-se um fenômeno muitas vezes mal compreendido, e por isso é imperativo contextualizá-lo para evitar sua categorização como uma mera heresia ou nova religião. O desafio reside na identidade e maturidade dessa prática, com poucas congregações sérias enfrentando uma multiplicidade de aproveitadores. Esta forma de fé, que tem suas raízes nos primeiros seguidores de Yeshua, busca manter uma identidade judaica, ainda que reconheça os ensinamentos do Novo Testamento.

A singularidade desta crença reside em defender uma prática judaica genuína, anterior tanto ao judaísmo rabínico quanto ao cristianismo, pois os seguidores de Jesus eram predominantemente judeus que, mesmo reconhecendo a Sua messianidade, mantinham uma base doutrinária centrada na Torá escrita e oral, preservavam a tradição judaica e, ao mesmo tempo, reconheciam os escritos do Novo Testamento como a revelação final da vontade de Deus.

Atualmente, o Judaísmo Messiânico enfrenta resistência tanto do cristianismo clássico quanto do judaísmo tradicional. A comunidade busca compartilhar as Boas Novas e defender a irrevogabilidade do chamado do povo judeu, centrando-se na restauração tanto de Israel quanto dos gentios na fé hebraica.

A relação entre a fé messiânica e as tradições ortodoxas judaicas é um ponto de contenção. Embora alguns judeus messiânicos vivam integralmente de acordo com os ensinamentos cristãos, outros buscam uma síntese com os ritos tradicionais da sinagoga. Mas o crucial é compreender que a presença atual desta doutrina milenar não implica em uma conversão dos judeus ao cristianismo, nem na criação de uma religião “original”, mas sim na aceitação de Yeshua como o Messias, mantendo a adoração ao Deus de seus pais Abraão, Isaac e Jacó. Seu compromisso essencial é revelar Jesus como o Messias prometido a Israel e manter a tradição de Moisés.

Para cumprir este objetivo, os rabinos messiânicos defendem sua fé com base nas mesmas Escrituras Sagradas, tradição oral e mística judaica utilizadas pelos judeus ortodoxos, que incessantemente buscam desconsiderar a verdadeira natureza do Cristo Jesus. Os argumentos messiânicos confirmam e comprovam a veracidade das profecias, demonstrando, como consequência, que as objeções levantadas pelos judeus tradicionais carecem de fundamentação sólida.

Por exemplo, os ortodoxos afirmam que a ideia cristã do nascimento virginal originou-se em uma má tradução de Isaías 7:14, que diz que “o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem (almah, em hebraico) está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”. Eles dizem que a palavra hebraica almah, empregada pelo profeta, não se refere necessariamente a uma moça que não teve relações íntimas. No entanto, uma análise histórica revela que esta palavra foi traduzida como "virgem" pelos próprios judeus na versão grega dos Setenta, séculos antes de Cristo.

Outros afirmam, ainda, que Maria não seria, na verdade, uma virgem, pois São Lucas não empregou este termo para descrevê-la, e sim parthénos (donzela). No entanto, o Velho Testamento utiliza o mesmo adjetivo em hebraico (betulah) para se referir à matriarca Rebeca, esposa de Isaac, e nenhum rabino ortodoxo ousa questionar o fato de Rebeca não ter conhecido seu marido antes do casamento.

Também é questionada no Evangelho de Lucas a afirmação de que Jesus “foi morar numa cidade chamada Nazaré, para que se cumprisse o que foi dito pelos profetas: Ele será chamado Nazareno” (2:22), pois não haveria profecia nesse sentido. No entanto, os ortodoxos versados em Cabalá, e que aplicam seus métodos místicos de interpretação em todo o Velho Testamento, se recusam a aceitar que Isaías (11:1) profetizou que um nazareno (nazir) brotaria do tronco de Jessé, e não apenas um rebento (netser), palavras em hebraico que possuem a mesma raiz gramatical, uma vez que, aplicando-se o Notaricon ao versículo (método cabalístico que extrai siglas de frases, formando novas palavras), forma-se a expressão “da cidade de”, comprovando que o profeta estava se referindo, veladamente, também ao lugar que Lhe daria um sobrenome (Nazaré).

O capítulo 53 de Isaías, por sua vez, que descreve o "homem das dores", atualmente não é mais interpretado pelos judeus ortodoxos como uma profecia de natureza messiânica, pois, segundo eles, Isaías estava se referendo ao povo de Israel, e não ao Messias. No entanto, a exegese histórica mostra que, por séculos, antes da vinda de Jesus, essa profecia sempre foi considerada como uma referência ao Ungido, sendo crucial reconhecer que a mudança na interpretação surgiu após a propagação do cristianismo. Assim, Maimônides (séc. XII), Targum Yonathan (séc. IV), Tratado Sanhedrin/Talmude (98b), Midrash Rabá (Rute), o Zohar (parte II – p. 212a), dentre inúmeros outros, todos associam este texto de Isaías ao Messias e seu sofrimento.

Há, além do mais, os que afirmam que Jesus não poderia ser o Messias porque não trouxe a paz mundial. Mas Daniel (9:24-26) foi categórico quando predisse que o “Príncipe Ungido” seria eliminado 483 anos após a promulgação do decreto persa que libertou o povo judeu do cativeiro na Babilônia, que Jerusalém e o Templo seriam destruídos e que até o fim haveria guerras e desolações. Esta profecia foi aguardada por muitos anos pelos escribas e homens da lei, conforme registrado no Talmude (Tratado Sanhedrin, 97b).

A compreensão das profecias messiânicas é essencial para avaliar se Jesus Cristo de fato cumpriu seu papel no Plano da Salvação. A construção do Terceiro Templo é considerada uma das tarefas fundamentais do Messias, conforme as Escrituras. Contrariando a expectativa materialista, Jesus, ao referir-se à reconstrução do templo, revela uma dimensão espiritual. Ele aponta para seu próprio corpo como o novo templo, inaugurando uma fé universal. Enquanto a tradição judaica comum permanece ligada à ideia do templo material, Jesus propõe um lugar sagrado, definitivo e acessível a todos, ao afirmar: “Não sabeis vós que sois o Templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós” (1 Cor 3:16).

Argumentam, também, que Jesus não pode ser o Messias por não ter uma descendência paterna, essencial para conectar-se à linhagem de Davi. No entanto, Gênesis 49:10 e Isaías 11:1, por exemplo, não especificam uma filiação paternal. Jesus, nascido de uma virgem que descende de Davi, realiza plenamente as Escrituras, sem falar na genealogia de José, destacada nos Evangelhos.

O relacionamento de Jesus com a Lei Judaica, por fim, é um dos pontos de maior resistência da tradição rabínica. No entanto, ao afirmar que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la, estabelece uma nova compreensão da Torá. Ao legislar com autoridade superior à de Moisés, revela-se como a própria Lei, a Torá, o Verbo Criador, denominado Hochmah pelos cabalistas. Sua missão é conduzir os seguidores à perfeita observância da Torá ao estabelecer o amor a Deus, ao próximo, inclusive aos inimigos. Em última análise, Jesus não anula a Lei, mas a aperfeiçoa, elevando-a a um novo patamar para revelar sua plenitude e conduzir os crentes a uma compreensão mais profunda.

Ao examinar as profecias à luz dos ensinamentos e ações de Cristo, fica claro que Ele não apenas cumpriu, mas transcendeu as expectativas messiânicas. Ao proclamar o Reino de Deus e antecipar eventos específicos, como a destruição de Jerusalém, atesta Sua conexão com a Divina Inspiração.

Diante da análise das objeções acima expostas, fica evidente que as profecias apresentadas foram cumpridas por Jesus Cristo de acordo com tradição judaica pré-cristã. A controvérsia persiste, mas o Judaísmo Messiânico permanece como uma expressão única de fé que desafia categorizações simplistas, destacando a riqueza e complexidade desta tradição religiosa milenar, e que tem o condão de proporcionar uma compreensão mais profunda e objetiva da verdadeira natureza de Jesus de Nazaré.

Que a Luz do Messias alcance a todos!