A Imagem Astral
A Imagem Astral*
Papus
Em uma de suas obras mais originais, “O Crocodilo”, Claude de Saint-Martin descreve maravilhosamente as propriedades de conservação do plano astral ao falar da cidade de Atalanta.
Depois de falar sobre a conservação de tudo em Atalanta, das casas aos utensílios, passando pelos homens e animais, o famoso filósofo zomba gentilmente dos físicos ao oferecer explicações científicas para os fatos que observa. Entretanto, o ocultista percebe a linguagem velada por meio de comentários deste tipo:
“Quanto à clareza que desfrutei enquanto viajava pela cidade de Atalanta, também não poderia explicá-la senão lembrando a vocês que os meus olhos ainda estavam cheios daquela luz serena que trouxe da minha estadia (…). A maravilha mais surpreendente entre todas as que lhes anunciei é que não apenas todos os objetos de que lhes falei foram encontrados ali preservados em todas as suas formas e aparências externas, mas também vi tudo o que poderia dar-me conhecimento do caráter, dos costumes, do espírito, das paixões, dos vícios e das virtudes dos habitantes. A mesma lei da física que fez com que todas as substâncias e corpos hermeticamente fechados nesta cidade não sofressem danos externos, estendeu seu poder preservador às próprias palavras dos cidadãos de Atalanta, e fez com que suas reminiscências fossem corpóreas e sensíveis, assim como todos os outros objetos encerrados neste infeliz recinto”.
Não conheço, na literatura ocultista, descrição mais bela das propriedades conservadoras do plano astral do que a da cidade de Atalanta, feita por Claude de Saint-Martin.
Os trechos anteriores afirmam claramente o fato de que:
1) o praticante que alcança a visão do plano astral vê preservadas as formas que por ali passam (a psicometria comprova esta afirmação);
2) essas formas preservadas no astral apresentam todas as características dos objetos dos quais emanam – são chamadas no ocultismo de imagens astrais.
De fato, a doutrina esotérica ensina que, assim como temos no plano físico uma sombra que sempre acompanha o nosso corpo, também temos no plano astral “uma imagem” que persiste muito depois do desaparecimento do corpo físico.
Imagine um espelho que tivesse a propriedade de preservar as imagens que reflete, com seu exato aspecto, sua cor, sua forma, etc., etc., e você terá uma ideia desta propriedade que o ocultismo atribui ao "plano astral".
A fotografia nos revela, de maneira semelhante, coisas muito curiosas relativas ao astral, assim como o estudo da eletricidade nos inicia em muitos mistérios do plano da criação, como veremos adiante.
Uma imagem astral terá, portanto, todas as propriedades de uma imagem refletida num espelho.
À primeira vista, o iniciante na prática que ingressa no astral fica tentado a confundir essas tão numerosas “imagens” com os seres reais que povoam esse curioso plano; só pela prática ele consegue distinguir os "reflexos", como os chama Eliphas Levi, dos seres que se movem no astral.
Esta confusão é uma das ilusões mais perigosas que impedem o desenvolvimento dos videntes e dos profetas. Outra dificuldade, que a esta se soma, é a confusão das formas que involuem do plano astral para a matéria, isto é, as formas do futuro, com as formas que evoluem do plano material para o astral, isto é, as formas do passado.
Mas, quando esta confusão ocorre apenas no plano astral, em geral é perigosa unicamente para o experimentador. Entretanto, não é a mesma coisa quando, com a ajuda de certas práticas, se consegue manifestar uma “imagem astral” no plano físico.
Existem dois processos principais para manifestar o Astral: colocar-se a si mesmo em tal estado que nele mergulhe, ou então realizar certas práticas que permitam que o Astral venha e se manifeste no plano físico, sob todas as condições físicas. Sem nos ocuparmos do primeiro caso, digamos algumas palavras sobre o segundo.
O Astral não é um lugar, é uma condição de ser, um estado. O Astral tem, portanto, o potencial de ser, como diria Fabre d'Olivet. Tudo ao nosso redor é o reverso invisível de tudo o que é visível aqui abaixo.
Suponhamos que tenhamos que estudar a imagem astral de um amigo que já faleceu há algum tempo. Esta imagem está em “potencial de ser” no plano astral e pode ser comparada à imagem gravada numa chapa fotográfica. A imagem está nesta chapa, mas nossos olhos materiais são incapazes de percebê-lo.
Por que? Porque ela não está revelada. Para revelar esta imagem é necessário colocar-se no escuro, ou, pelo menos, ao abrigo de certos raios de luz, e atuar sobre a película sensível dos fluidos físico-químicos.
Na experimentação mágica é absolutamente a mesma coisa. Mas, em vez dos fluidos físico-químicos, serão os fluidos vitais que deverão ser abastecidos: os fluidos serão retirados de um ser em transe e adormecido, como nas experiências espíritas, ou de um animal, ou de qualquer substância viva como nas experiências mágicas.
Bem preenchidas as condições da experiência, a imagem do ser evocado se manifestará no plano físico, aparecendo a todos os assistentes e, além de tudo, suscetível de ser fotografada, assim como é provável que o reflexo de um ser num espelho seja gravado na película de uma chapa fotográfica.
Esta imagem, que só se manifesta graças à energia vital de que está impregnada, será apenas transitória. Ou seja, apesar de bem nítida, não é fixa, não é permanente.
Como distinguir então – você pode me perguntar – uma imagem astral de um ser real?
Shakespeare definiu perfeitamente esta distinção: a imagem astral (fantasma de Banquo, em Macbeth) não fala, assim como o reflexo no espelho; é o que Homero chama de “eidolon” (ídolo). O elemental que se manifesta, ao contrário, age e fala. As experiências de Crookes com Katie-King são muito demonstrativas deste ponto de vista; por outro lado, Shakespeare, no fantasma de Hamlet, estabelece muito bem essa distinção.
Vemos o quanto todos esses assuntos técnicos do ocultismo exigem reflexão e estudo; pode-se também entender por que os ocultistas têm outras coisas para fazer além de perder tempo em polêmicas.






* Texto traduzido e editado do original publicado na Revista “L’Initiation” (jun/1892).