A Imaculada Concepção
A Imaculada Concepção: Pureza e Iniciação*
Max Heindel
O periódico fluxo e refluxo das forças materiais e espirituais que cobrem a terra são as causas invisíveis das atividades físicas, morais e mentais sobre o nosso globo.
De acordo com o axioma hermético “assim como é em cima é embaixo”, uma ação similar acontece no homem, que é apenas uma edição menor da Mãe Natureza.
Os animais têm 28 pares de nervos espinhais e estão agora na fase lunar, perfeitamente sintonizados com os 28 dias nos quais a Lua passa ao redor do zodíaco. Em seu estado selvagem, o espírito de grupo que lhes anima regula seus acasalamentos. Portanto, não flui neles energia em excesso. O homem, por outro lado, está num estágio de transição: ele já progrediu além das vibrações lunares, pois tem 31 pares de nervos espinhais, mas ainda não sintonizou com o mês solar de 31 dias, e assim acasala em todas as épocas do ano. Por isso, o fluxo periódico da mulher, em condições propícias, é utilizado para formar o corpo de uma criança mais perfeita que seus pais. Similarmente, o fluxo periódico da espécie humana é a “espinha dorsal” e os “tendões” do avanço racial, ao passo que o fluxo periódico das forças espirituais da terra, que ocorrem no período natalino, resulta no nascimento de Salvadores que, de tempos em tempos, traz renovado ímpeto para o avanço espiritual da raça humana.
Existem duas partes em nossa Bíblia, o Velho e o Novo Testamento. Depois de brevemente narrar como o mundo veio à existência, o autor conta a história da “queda”. Em vista do que tem sido escrito em nossa literatura, nós entendemos a queda como tendo sido ocasionada pelo uso impulsivo e ignorante das forças sexuais em eras nas quais os raios interplanetários não favoreciam a concepção de veículos melhores e mais puros. Então o homem se tornou gradualmente aprisionado num corpo denso, cristalizado pela pecaminosa paixão, e consequentemente um veículo imperfeito, sujeito à dor e à morte.
Então começou a peregrinação através da matéria, e por milênios nós temos morado nesta dura e severa casca de carne, que obscurece a luz do paraíso do espírito interior. O espírito é como um diamante em sua dura concha, e os lapidários celestiais, os Anjos da Recordação, estão constantemente se esforçando para remover a casca e reluzir o espírito através do veículo no qual está animado.
Quando o lapidário segura o diamante na pedra de amolar, o diamante emite um “grito”, como um choro de dor, à medida que a cobertura opaca é removida. Porém, gradualmente, através de muitas aplicações sucessivas na pedra de amolar, o diamante bruto pode se tornar uma gema de beleza e pureza transcendentes. De maneira semelhante, os seres celestiais encarregados de nossa evolução nos mantém próximos à pedra de amolar da existência. Isto resulta em dor e sofrimento, que despertam o espírito interior adormecido. O homem, até então satisfeito com as atividades materiais, indulgente com os sentidos e o sexo, torna-se imbuído de um descontentamento Divino que o impele a buscar a Vida Superior.
A gratificação desta aspiração, no entanto, geralmente não vem desacompanhada de uma severa luta contra a natureza inferior. Foi enquanto combatia esta luta que Paulo exclamou, com toda a angústia de um coração devoto e sedento: “Oh pobre homem que eu sou (…). O bem que eu faria, não faço; mas o mal que não quero, esse faço (…). Deleito-me na lei de Deus segundo o homem interior; mas percebo outra lei em meus membros, que peleja contra a lei da minha razão e que me prende à lei do pecado que existe em meus membros” (Rom 7:19-24). Também Fausto, falando com Wagner, que ainda se preocupa apenas com as coisas materiais, diz:
Você está possuído por apenas um impulso,
inconsciente do outro ainda permanece,
duas almas, infelizmente estão alojadas dentro de meu peito
e lutam lá pelo reinado indiviso.
Um à terra com desejo apaixonado
e órgãos fortemente apegados ainda adere,
acima da névoa o outro aspira
com ardor sagrado a esferas mais puras.
Quando a flor é esmagada, seu perfume é libertado e preenche os arredores com grata fragrância, deleitando todos os que tiverem a sorte de estarem por perto. Golpes esmagadores do destino podem sobrecarregar um homem ou mulher que atingiu o estágio da eflorescência; e irão, mas servirão para despertar a doçura da natureza e realçar a beleza da alma até ela brilhar com um esplendor que marcará seu possuidor com um halo de luz. Então ele estará no Caminho da Iniciação. Ele então aprenderá como o uso desenfreado do sexo, que desconsidera os raios estelares, o aprisionou no corpo, como isso o acorrenta e como, pelo uso adequado dessa mesma força em harmonia com as estrelas, ele pode gradualmente melhorar e sublimar seu corpo, alcançando a libertação da existência material.
Um construtor naval não pode construir um navio de carvalho sólido com madeira de abeto; “os homens não colhem uvas com espinhos”; semelhante sempre gera semelhante, e um ego reencarnante de natureza apaixonada é atraído para pais de natureza semelhante, onde seu corpo é concebido sob o impulso do momento, em uma rajada de paixão.
A alma que provou o cálice da tristeza resultante do abuso da Força Criadora, e bebeu até o fim sua amargura, gradualmente procurará pais de natureza cada vez menos apaixonada, até que finalmente alcance a Iniciação.
Aprendendo, no processo de Iniciação, a influência dos raios estelares sobre o parto, o próximo corpo será gerado sem paixão por pais Iniciados, sob a constelação mais favorável ao trabalho que o ego reencarnante vivenciará. Portanto, os Evangelhos (que são fórmulas de Iniciação) começam com o relato da Imaculada Concepção e terminam com a Crucificação, ambos ideais maravilhosos que devemos alcançar em algum momento, pois cada um de nós é um Cristo em formação, e algum dia passaremos pelo nascimento e morte místicas prenunciadas nos Evangelhos. Por meio do conhecimento e da cooperação inteligente, podemos acelerar o progresso, ao contrário da situação atual, em que frequentemente frustramos os objetivos do desenvolvimento espiritual devido à ignorância.
Em algumas partes da Europa, pessoas de classes mais altas são tratadas como “bem nascidas”, significando que são filhas de pais altamente aculturados. Tais pessoas costumam olhar para baixo com desprezo aqueles em posições mais modestas. Não temos nada contra a expressão “bem nascidos”. Gostaríamos que todas as crianças fossem bem nascidas. Nascidas de pais de alto padrão moral, não importando seu status social. Há uma virgindade da alma que transcende o estado corporal, uma pureza de espírito capaz de atravessar o ato de geração sem sucumbir à tentação da paixão. Isso permite que a mãe carregue a criança em seu coração, repleto de um amor desprovido de aspectos sexuais. .
Antes do surgimento de Cristo, tal feito teria sido considerado inimaginável. Nos primórdios da jornada humana pelo planeta, a quantidade era valorizada, enquanto a qualidade era relegada a segundo plano, pois o comando dado foi: “vão em frente, sejam fecundos e multipliquem-se”. Além disso, era necessário que o homem esquecesse temporariamente sua natureza espiritual e concentrasse suas energias nas condições materiais. A indulgência com a paixão sexual promoveu este objetivo, e a natureza do desejo avançou. A poligamia floresceu e, quanto maior o número de filhos, mais honrados um homem e uma mulher eram considerados, enquanto a esterilidade era considerada a maior aflição possível.
Noutra direção, a natureza do desejo foi sendo restringida pelas Leis Divinas, e a obediência a Seus comandos foi impelida por meio da punição rápida ao transgressor, como guerra, pestilência ou fome. As recompensas pela observância zelosa dos mandamentos da lei também não faltavam. Os filhos do homem “justo”, seu castelo e suas colheitas eram numerosos, e assim ele era vitorioso sobre seus inimigos e a taça de sua felicidade estava cheia.
Mais tarde, depois do dilúvio da Atlântida, quando a terra ficou suficientemente povoada, a poligamia se tornou cada vez mais obsoleta, ocorrendo um incremento na qualidade dos corpos. Ao tempo de Cristo, a natureza do desejo tornou-se tão controlável para os seres humanos mais avançados que o ato de geração poderia ser realizado sem paixão, por puro amor, de modo que a criança fosse concebida imaculadamente.
Assim eram os pais de Jesus. É dito que José era carpinteiro, mas ele não trabalhava a madeira. Ele era um “construtor” no sentido mais alto. Deus é o Grande Arquiteto do Universo. Abaixo dele há muitos construtores de variados graus e esplendor, até àqueles Iniciados que conhecemos como Maçons Livres. Todos estão engajados em construir um templo sem o som de martelos, e José não era uma exceção.
Às vezes se pergunta porque os Iniciados são sempre homens. Não são; nos graus mais baixos há muitas mulheres. Mas quando um Iniciado é capaz de escolher seu próprio sexo, geralmente assume um corpo masculino positivo, pois a vida que o trouxe à Iniciação espiritualizou o seu corpo vital e o tornou positivo em todas as condições, de modo que ele agora tenha um instrumento da mais alta eficiência.
Há momentos, entretanto, que as exigências do caso requerem um corpo feminino, como, por exemplo, fornecer uma matéria da mais fina estirpe para receber um ego de grau superlativamente elevado. Então um alto Iniciado pode assumir um corpo feminino e passar novamente pela experiência da maternidade, talvez depois de tê-la evitado por várias vidas, como foi o caso da bela personagem que conhecemos como Maria de Belém.
Em conclusão, então, vamos relembrar os pontos levantados: que todos nós somos Cristos em formação; que algum dia deveremos cultivar um caráter tão imaculado que possamos ser dignos de habitar corpos imaculadamente concebidos; e que, quanto mais cedo começarmos a purificar nossas mentes dos pensamentos apaixonados, mais cedo o conseguiremos. Em última análise, depende apenas da seriedade do nosso propósito, da força da nossa vontade. As circunstâncias atuais permitem-nos viver vidas puras, tanto casados quanto solteiros, sem que isso necessariamente resulte em relações frias entre irmãos e irmãs.
Uma vida de pureza absoluta está além de alguns de nós? Não percam a coragem, Roma não foi construída num único dia. Mantenham o querer mesmo que falhem várias vezes, pois o único fracasso real é parar de tentar.
Então, que Deus fortaleça suas aspirações por pureza!






* Este texto era uma das lições periódicas de Max Heindel aos seus estudantes. Traduzido e editado do original publicado na Revista “Rays from the Rose Cross” (jan/1921).